“Ainda tenho muitas coisas para lhes dizer, mas vocês não poderiam suportar isso agora. Porém, quando o Espírito da verdade vier, ele ensinará toda a verdade a vocês. O Espírito não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que ouviu e anunciará a vocês as coisas que estão para acontecer.”
Introdução:
Este é um dos textos usados por quase todas as religiões para afirmar que existem novas revelações extrabíblicas. Católicos inventaram o magistério da igreja, Espíritas apoiam as interpretações de Allan Kardec, Adventistas incluem os escritos de Ellen G. White. Assim, com um falso pretexto de ter o Espírito, o mundo foi seduzido a deixar os ensinamentos sobre Cristo. Estas pessoas conseguem separar o Espírito, da palavra de Cristo, a porta é aberta a todos os tipos de ilusões e interpretações.
Calvino diz: “Este erro é seguido de outro igualmente intolerável, a saber: que dando adeus a Cristo, como se seu reinado estivesse concluído, e que agora ele nada mais representasse, o substituem pelo Espírito. De tal fonte emanaram os sacrilégios do papado e do maometismo; porque, ainda que esses dois anticristos difiram um do outro em muitos aspectos, contudo concordam em sustentar um princípio comum, ou, seja: que no evangelho recebemos as primeiras instruções para guiar-nos à fé certa, mas que devemos buscar em outro lugar a perfeição da doutrina, para que ela complete o curso de nossa educação. Se a Escritura for citada contra o papa, ele afirma que não devemos nos confinar a ela, porque o Espírito já veio e se põe acima da Escritura através de muitas adições.”
Desenvolvimento:
Mas afinal, será que Jesus está dizendo que ainda viriam novas revelações? Será se até os dias de hoje podem aparecer novas revelações e interpretações bíblicas?
Analisemos o texto em alguns pontos-chave:
1. Jesus estava prestes a morrer. Os discípulos não suportariam isso.
Conforme os versículos que lemos, Jesus disse aos discípulos que ainda havia algo mais a revelar, mas que ainda não era hora. Eles ainda não estavam preparados, ainda não podiam suportar. Afinal, Jesus ainda não havia morrido na cruz, ainda não havia ressuscitado, nem havia subido ao céu para reassumir a sua glória junto ao Pai. Portanto, eles ainda não tinham nenhuma condição de compreender essas coisas.
2. O contexto todo é sobre a missão do Espírito Santo.
Desde o capítulo 14, Cristo está falando do Espírito Santo.
Jo 16:7 “Mas eu vos digo a verdade: convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei.”
3. O diálogo de Jesus era diretamente para os Discípulos. Não se tratava de profecia para outras pessoas.
Jo 15: 26-27 “Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho de mim; e vós também testemunhareis, porque estais comigo desde o princípio.”
Fica claro que Jesus está falando a um público definido. Aqueles que estiveram com Cristo desde o princípio, que recebiam as instruções diretas, que continuariam sua missão e que seriam inspirados pelo Espírito Santo a lembrarem de todas as coisas acerca de Cristo e escreverem sobre Ele.
At 1:1-2 "Escrevi o primeiro livro, ó Teófilo, relatando todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar até ao dia em que, depois de haver dado mandamentos por intermédio do Espírito Santo aos apóstolos que escolhera, foi elevado às alturas."
Este texto mostra com clareza que Jesus deu confiou seus escritos aos Apóstolos que receberiam diretamente do Espírito Santo.
4. A Bíblia ainda não estava escrita. Seria necessário a intervenção do ES.
A profecia, entendida como a revelação da vontade inerrante de Deus para a sua igreja, cessou com os profetas do Antigo Testamento e com os apóstolos do Novo Testamento.
Não foram os profetas do NT que assumiram os escritos bíblicos, mas os Apóstolos, os que estavam diretamente comissionados por Cristo. Com a morte destes, o ministério apostólico chegou definitivamente ao fim, o ministério profético, definido como a entrega de uma mensagem inspirada e infalível da parte de Deus, também cessou, por consequência.
5. O Espírito Santo veio no Pentecoste e capacitou os Apóstolos logo após a ascensão de Jesus. Nada no texto se refere a algo de séculos depois.
João 14:25-26 “Isto vos tenho dito, estando ainda convosco; mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito.”
O Espírito não leva para além de Jesus, mas retorna a Jesus, “porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar”. Já ouvimos que ele “fará” os discípulos “lembrarem de tudo o que Jesus lhes tem dito” (Jo 14:26).
Ele vos guiará a toda a verdade. Quem quer que imagine que se deve acrescentar algo a sua doutrina, como se ela fosse imperfeita, não só acusa os apóstolos de desonestidade, mas também blasfema contra o Espírito. Se a doutrina, a qual receberam a incumbência de escrever, tivesse procedido de meros eruditos ou pessoas imperfeitamente instruídas, qualquer adição que se lhe acrescentasse seria supérflua; mas para que seus escritos fossem agora considerados como registros perpétuos daquela revelação que lhes fora prometida e dada, nada pode ser-lhes acrescentado sem fazer grave injúria ao Espírito Santo.[1]
6. Os Apóstolos escreveram sob à inspiração do ES tudo o que era necessário para a salvação. A Bíblia está completa.
Hb 1:1-2 “Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo.”
A revelação inerrante que tanto os profetas da antiguidade como os apóstolos do primeiro século tinham para o povo de Deus já foi proferida e registrada de uma vez por todas na Bíblia. Os porta-vozes autorizados e inspirados por Deus já terminaram o seu ministério e nos legaram o fundamento sobre o qual a igreja de Jesus Cristo vem sendo edificada desde então, além de nos terem desvelado todas as etapas da História da Redenção, até o seu último capítulo. Não há mais, pois, a necessidade de figuras como Isaías, Jeremias, Paulo e Pedro. A obra deles já foi concluída e não precisa nem pode ser repetida. O que nos resta no presente é darmos continuidade à edificação da igreja sobre o fundamento que eles lançaram no passado.
7. O ES falaria exclusivamente sobre Jesus. Nenhuma doutrina nova.
Jo 16:12-13 “Ainda tenho muitas coisas para lhes dizer, mas vocês não poderiam suportar isso agora. Porém, quando o Espírito da verdade vier, ele ensinará toda a verdade a vocês. O Espírito não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que ouviu e anunciará a vocês as coisas que estão para acontecer.”
Será que com tudo isso o Espírito de Deus leva para além de Jesus, além de sua palavra e obra? Isso é impossível. Se Jesus é “a verdade”, o “Espírito da verdade” não pode ultrapassar a Jesus, mas sim levar cada vez mais fundo para dentro de Jesus. Com certeza, encontramos no Apocalipse de João muitas coisas que Jesus ainda não falara aos discípulos em seus discursos sobre o futuro. Naquele tempo, ainda não conseguiam “suportá-lo”, captá-lo. Também nas cartas apostólicas constam, pela orientação do Espírito, muitas coisas que ainda não haviam tido espaço na instrução de Jesus aos discípulos. Paulo apenas concretiza, à sua maneira e para a situação das igrejas que lhe foram confiadas, aquilo que Jesus falou pessoalmente em sua palavra.
Conclusão:
Este texto não está dando margem para possibilidades de novas revelações após o fechamento do cânon. Um leitor atento e honesto jamais poderá usar este texto para planejar suas interpretações e fábulas humanas.
Apocalipse 22:19-20 “Eu, a todo aquele que ouve as palavras da profecia deste livro, testifico: Se alguém lhes fizer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará os flagelos escritos neste livro; e, se alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida, da cidade santa e das coisas que se acham escritas neste livro.”
[1] João
Calvino, Evangelho Segundo
João, org. Tiago J. Santos Filho e Paulo César Valle, trad.
Valter Graciano Martins, Primeira Edição, vol. 2, Série Comentários Bíblicos
(São José dos Campos, SP: Editora FIEL, 2015), 156.
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